Queria agradecer mais uma vez o convite. Não sou especialista em educação cristã, não é a minha área de formação. Mas sou um entusiasta do que tenho ouvido sobre o que Deus tem feito aqui em Portugal, através destes irmãos, que se têm dedicado a educar vários dos vossos filhos, neste esforço de lhes trazer bom conteúdo através de uma ótica cristã.
O seminário que dirijo no Brasil também se está a aventurar nesta área. Um membro do nosso conselho e um membro da igreja de um conselheiro nosso, estão a dedicar-se a montar um projeto para, se Deus quiser, no próximo ano abrir uma escola cristã, sobre bases cristãs que é uma necessidade urgente, hoje no nosso tempo.
Num primeiro momento, queria destacar Martinho Lutero, especialmente o impacto dele num modelo muito simples e vital de educação cristã, daí o título, “Martinho Lutero e a Catequese – a educação aprende-se em casa e na igreja”.
Num segundo momento, vou focar um outro reformador que tem sido pouco destacado, Philip Melanchthon, o companheiro de Lutero, que criou um modelo impressionante e abrangente de educação que se tornou padrão na Europa pelo menos do séc. XVI até ao séc. XVIII e ainda hoje continua a ser debatido, pesquisado e estudado, e, de certa forma, Melanchthon começa exatamente onde Lutero parou.
A Catequese não é algo ligado aos católicos? Esta é sempre uma pregunta que oiço quando falo de catequese, é a primeira questão. “Isto é uma coisa que os católicos fazem, porque é que os protestantes têm de pensar sobre catequese? Em primeiro lugar, seria interessante pensar no que o Novo Testamento fala sobre esta palavrinha, se de facto nós protestantes evangélicos temos algo a aprender ou receber dessa ênfase da catequese, no esforço catequético. Algumas questões básicas que depois podem aprofundar.
Em primeiro lugar, a palavra catequese deriva do verbo “katecheo” que aparece no Novo Testamento, em contextos neutros, sendo simplesmente mencionada a palavra “instruir a viva-voz” ou num contexto mais positivo como em Gálatas 6:6 onde Paulo lembra que os crentes das igrejas da Galácia têm que ser generosos para com aqueles que os catequisam, aqueles que os instruem em viva voz.
A palavra não é uma palavra de uso romano ou exclusivo romano, mas uma palavra que, de certa forma, já aparece no Novo Testamento. Esta palavra “katecheo” está ligada a uma outra palavrinha, um substantivo, “didache” que é traduzido como ensino ou doutrina. O Novo Testamento faz uso desta palavra e esta palavra agora é usada mais positivamente, por exemplo, quando se fala da doutrina dos apóstolos, o “didache” dos apóstolos, a instrução ou o ensino dos apóstolos.
Então esta é outra palavra que é relacionada à palavra, ao verbo “katecheo”. A ideia é que combinando estas duas palavras é que alguns homens, eventualmente, mulheres, são chamados a instruir de viva-voz na doutrina ou no ensino dos apóstolos então já temos, de certa forma, a base bíblica que justifica a catequese.
Há um outro verbo chamado “paradidomi” que é traduzido como transmitir ou entregar ou passar adiante. Eu cito o uso desta palavra três vezes em Paulo, I Coríntios 11:2,23; I Coríntios 15:3-5, onde Paulo diz que ele passa adiante, que transmite certo conteúdo, no caso do que está no quadro, ele está a transmitir conteúdo ligado à ceia e o conteúdo ligado à morte, sepultamento e ressurreição de Cristo como cumprimento da Sagrada Escritura. Um ponto importante, quando esta palavrinha, quando este verbo grego é usado nesta aceção de transmitir, entregar, passar adiante certo ensino ou doutrina, a palavrinha também tem em si a noção de que aquele que transmite, entrega ou passa adiante essa doutrina apostólica, esse ensino apostólico, ele não muda o conteúdo, não modifica esse conteúdo. Aquele professor ou professora, aquele que é chamado a catequisar a dar a instrução dos apóstolos, na doutrina dos apóstolos, ele tem uma grande chamada, mas por outro lado, tem uma grande responsabilidade porque, à semelhança de Paulo, ele é chamado a transmitir, entregar e passar adiante esse ensino ou doutrina sem mudar o conteúdo.
A ideia que Paulo transmite em I Coríntios 11 e 15 é a corrida de estafetas, que estão familiarizados com os Jogos Olímpicos, se o testemunho cair no chão, se o atleta não o conseguir entregar ao colega, toda a equipa é desclassificada, não importa o quão boa ela seja. O que Paulo quer lembrar, é que ele recebeu esse testemunho e que se ele que ser reconhecido como mestre fiel, ele tem que passar o testemunho adiante, ele não pode modificar o conteúdo daquilo que é ensinado, instruído à igreja, naquilo no qual ele catequisa a igreja, ou instrui de viva-voz, ele instrui pessoalmente de forma audível.
Em síntese, a definição: a catequese é o processo de instruir a todos os membros de uma igreja nos fundamentos da fé cristã.
Este é o esforço que a igreja tem dedicado muito do seu tempo no passado, nós vamos tratar em breve o porquê da catequese entrar em declínio especialmente nas igrejas protestantes ou evangélicas. Mas em linhas gerais, essa catequese, que é o processo de instruir a viva-voz, instruir na doutrina, no ensino cristão, sem o modificar é o esforço de levar todos os membros da igreja a aprenderem os fundamentos da fé cristã. O esforço para que todos os membros, do mais novo ao mais idoso, homens ou mulheres, educados ou não, cheguem a entender a fé cristã, o corpo principal da fé cristã.
Temos aqui uma obra de arte, um quadro antigo.
Codex Manesse, fol. 292v, "The Schoolmaster of Esslingen"
(Der Schulmeister von Eßlingen)
E é muito interessante pesquisar quadros da Idade Média, do período dos pais da igreja e da Antiguidade Clássica. A catequese era algo que estava nas entranhas da igreja, era algo que movia, de facto, os obreiros na antiguidade.
A catequese é a arte de instruir todos os membros dos fundamentos da fé cristã e o catecismo é o conteúdo no qual as pessoas são catequisadas. Há muitos catecismos publicados na História da Igreja Cristã, publicados pela Igreja Católica Romana, publicados pela Igreja Ortodoxa, publicados entre protestantes. Há muitos catecismos, documentos importantes, publicados pelos protestantes - vou mencionar alguns deles mais adiante. Mas o catecismo é o manual que tem o conteúdo da fé cristã encapsulado, no qual as pessoas são catequisadas, as pessoas são instruídas de viva-voz.
Tradicionalmente, o catecismo consiste em disposições dos Dez Mandamentos, que nos ensinam a viver bem ao mesmo tempo que apontam a nossa miséria diante de Deus, descobre o nosso pecado, o credo dos apóstolos como resumo do que devemos crer; exposição do Pai Nosso, como devemos orar e basear a nossa busca por Deus e uma exposição dos Sacramentos ou das Ordenanças; o Baptismo e a Santa Ceia.
Em suma, um bom catecismo contém, como Lutero vai dizer, exatamente tudo aquilo que um cristão precisa saber. Se quiser fazer um exercício agora, e começar a destacar a importância deste ponto, primeiro para as igrejas, avançaremos, depois, para a questão educacional. Pensem em, pelo menos de onde eu venho, muito do conteúdo que é apresentado em classes de novos membros. Geralmente uma única lição, resumindo alguns pontos importantes da fé e depois moralidade ou moralismo. Ênfase na necessidade de ofertas, na necessidade de um bom comportamento, mas muitas vezes, ainda que o texto bíblico seja usado, ele é usado fora do contexto e usado de uma forma pinçada.
O que os catecismos antigos nos oferecem é uma estrutura mais ampla, calcada na Bíblia e na boa tradição cristã e tem um conteúdo muito mais abrangente do que a sopa rala que muitos de nós têm recebido na entrada na igreja cristã.
Antes de avançar, eu quero mostrar um quadro para destacar o facto de que a catequese não é algo meramente romano e que na verdade a catequese foi incorporada e aperfeiçoada pelo protestantismo.
O período formativo da catequese encontra-se na igreja antiga, entre os séculos II e V. A ideia principal era tornar a porta da entrada da igreja estreita e proteger a igreja, por exemplo, de homens que viesse espionar os cristãos e entregá-los ao Império Romano, identificar os cristãos, que deveriam ser presos pelo Império, porque não queriam adorar a César adoravam somente a Jesus como Senhor. Então, num primeiro momento, a catequese tem esse alvo de ser um tipo de peneira. Nalgumas regiões do Império Romano, antes deste se tornar cristão, pós Costantino o Grande, o período de catequese na Grécia durava cerca de um ano e na Síria e no Egipto durava até três anos. Nalgumas igrejas nossas, as pessoas “decidem-se” por Jesus e são imediatamente baptizadas, noutras um período de quatro semanas é suficiente ou simplesmente ler a confissão de fé da igreja e dizer que adere àquela confissão de fé é suficiente para a aceitar como membro.
Num outro momento da história da igreja, em que a comunidade cristã estava sob perseguição do Império Romano, o período de provação até essa pessoa ser admitida como membro da igreja durava de 1 até 3 anos. O aspeto mais notável é o desenvolvimento do catecumenato, talvez o mais importante destes grandes catecúmenos é o próprio Agostinho de Bonna, também conhecido como St. Agostinho, pastor de uma igreja pouco importante do Norte de África. Hipona Régia, não era uma grande cidade do Império Romano, Cartago era a sede do bispado africano naquela época, mas mesmo numa igreja que não era muito importante como as igrejas de Roma, Éfeso, Alexandria, Cartago e Jerusalém, ele fez o esforço para que os membros da sua comunidade fossem educados, fossem instruídos nos rudimentos da fé cristã.
Em Língua Portuguesa, no Brasil, a editora Paulos, que é uma editora católica importante, tem publicado as obras dos pais da igreja, são quase quarenta volumes e o volume 32 é todo dedicado às obras catequéticas de Agostinho. Neste volume temos as obras “A Fé e o Símbolo”, “A disciplina cristã” e “A primeira catequese aos não cristãos” são três obras que ele escreveu para ajudar os não cristãos que estavam a ir à igreja de Hipona Régia a serem educados na fé.
Na medida em que se começou a privilegiar o baptismo de infantes em detrimento do baptismo de crentes, a catequese na Idade Medieval caiu em desuso. Ela se tornou uma classe em que preparava pessoas previamente batizadas e reconhecidas previamente como cristãs para processar a sua fé em algum momento, então houve um declínio acentuado da catequese.
Houve mais dois catequistas importantes neste período formativo, Ciro de Alexandria no mundo de língua grega e Ambrósio de Milão, um Gaulês (quem lê Asterix entende) ele era da Gália e acabou por ir para Milão, foi um grande catequista no seu bispado em Milão. A Idade Média apresenta um declínio da catequese, a catequese deixa de ser uma porta de entrada estreita para a igreja e passa a ser uma preparação para cristãos virem a confirmar a sua fé mais adiante.
É a reforma do séc. XVI que faz ressurgir a catequese. Os eruditos têm chamado à reforma protestante do século XVI, de “a era dourada da catequese”. Os reformados vão ter o seu catecismo de Heidelberg, talvez o catecismo mais famoso e mais bonito já produzido, intensamente pastoral, devocional, evangelístico, altamente pessoal. As perguntas são pessoais, não são comunitárias, não estão no plural, mas no singular, um catecismo maravilhoso feito por dois eruditos da Universidade de Heidelberg, na época da Reforma. Na Escócia e na Inglaterra haverá catecismos produzidos, mas o grande catecista da Reforma será Marinho Lutero.
Ele vai produzir dois catecismos, o primeiro, o catecismo Menor, de que vou falar um pouco, e ele também produz o catecismo Maior. O Menor seria para uso dos pais e dos infantes, das crianças e o catecismo Maior seria para pastores, para presbíteros, para educadores, para oferecerem mais conteúdo aos pais, para os pais dividirem esse conteúdo para os seus filhos e para a sua casa estendida. É preciso lembrar que estou a falar de um outro mundo bem diferente. A ideia de casa na Idade Média e no Renascimento não era a ideia de pai, mãe e filhos. Mas tocava, muitas vezes, a família estendida e inclusivé, os servos que trabalhavam naquela casa. Então o catecismo Menor, escrito por Lutero era para esse pai que seria tipo um “bispo” da sua família estendida e dos seus servos e o catecismo Maior daria subsídio aos pastores para reunirem os pais, darem um conteúdo mais adensado para esses pais dividirem esse conteúdo com os filhos.
Assim temos o ápsis da época da catequese justamente no séc. XVII com os puritanos. Os puritanos não devem ser julgados por essa alcunha, que não tem nada a ver com sexualidade, nem com o facto de aparentemente serem caricaturados por se vestirem só de preto, que não era o caso, muito pelo contrário. Eles eram puritanos porque queriam purificar a Igreja de Inglaterra daquilo que eles entendiam que eram resquícios do papado. Velas, incensos, cruzes, vitrais, togas, a necessidade de se ajoelhar diante do pároco, vir à frente e tomar das mãos do pároco o cálice e o pão. Então, não tinham muita paciência com isto nem viam base bíblica para isso, daí a necessidade de purificar a igreja da Inglaterra desses vícios do Catolicismo Romano, daí eles serem alcunhados de puritanos.
Ainda que nós os conheçamos como grandes pregadores, e eles o foram, John Bunyan é um nome que vem à mente quando pensamos em grandes pregadores puritanos, mas eles foram sobretudo grandes catequistas. O maior deles foi Richard Baxter. Infelizmente eu não tenho tempo nem espaço para tratar dele aqui, Baxter é uma figura diferente e bem interessante do movimento puritano inglês do séc. XVII sobretudo porque ele era leigo. Ele não era formado em Cambridge ou Oxford como outros grandes puritanos, como John Owen, seu colega e rival. Ele era um diácono que foi alçado ao presbiterato, mas tinha um imenso interesse de educar os membros da sua comunidade nos rudimentos da fé cristã. Ele escreveu um livro muito famoso, chamado “O Pastor Aprovado” em português, em Inglês o título é “O Pastor Reformado” e vão entender de uma forma errada o título se acharem que ele está a fazer campanha para os pastores serem calvinistas, não é esse o ponto. Ele entende que os pastores têm de ser bíblicos, radicalmente bíblicos e um pastor bíblico instrui a sua comunidade na fé, prega e instrui a sua comunidade na fé, este é um verdadeiro pastor reformado. Esse livro maravilhoso, que impactou imenso o começo da minha carreira ministerial, e é um dos poucos livros que não voltei a ler para não perder o encanto que tenho sobre ele. Eu o li e resumi e volto ao resumo, não ao livro para que ele não perca a sua força sobre a minha vida. Mas este livro importantíssimo, fez a cabeça de uma geração de obreiros na Inglaterra e Escócia, catequisando e instruindo pessoalmente a igreja nos rudimentos da fé cristã. Eu vou voltar a algumas ideias de Baxter no final da palestra, mas agora preciso de o deixar, infelizmente. Mas ele é um pastor importantíssimo, talvez juntamente com Gregório Magno, talvez os dois maiores pastores que a igreja cristã já teve na sua história e era leigo, não era treinado em teologia, um ponto importante.
Vamos voltar a Lutero. Mencionei Lutero há pouco, ele é um representante da era de ouro da catequese, pensando nessa forma de instruir os crentes na fé cristã. Eu não vou cansar-vos com detalhes da vida de Lutero, no ano passado só se falou de Lutero pelos 500 anos da Reforma. Mas eu quero entrar diretamente nalgumas questões básicas da catequese e porque a catequese é aquele modelo mais importante, não só de instrução nos rudimentos da fé cristã, mas a catequese é também aquele modelo pelo qual pastores e pais já dão um rudimento ou uma base conceitual, que a partir da própria igreja torna apto a nossa juventude, crianças e adolescentes, a avançarem na educação da forma mais ampla possível.
Um ponto importante, Lutero tornou-se catequista não por um insight positivo, mas por uma experiência muito negativa que ele teve no seu ministério. Desafiado pelo seu príncipe, ele começa uma série de visitas às igrejas da Saxónia, entre 1527 e 1528, e nessas visitas de inspeção, no leste da Alemanha, ele tem uma experiência absolutamente chocante. Ele vai descobrir que os pastores e o povo conheciam pouquíssimo da fé cristã e as escolas estavam abandonadas. Lembro que até então todo o esforço educacional era um esforço mediado pela igreja católica, pela igreja medieval que era a principal igreja na Europa ocidental.
Lutero tem um choque. Ele começa o seu esforço de Reforma em 1517, em 1521 ele publicamente em Worms vai romper com a Igreja Medieval, ele vai dizer as palavras “aqui eu estou, se não for convencido pela palavra de Deus ou por argumentos racionais, não tenho como recuar” e seis anos depois, ele vai descobrir que esta igreja recém reformada, essa Igreja Evangélica, ou igreja que deveria ser do evangelho está num estado miserável. Com um conhecimento básico, nos piores níveis possíveis, a partir do próprio pastorado. Ele vai escrever, como resposta a este problema, o Catecismo Menor em 1529, ele prepara esse breve documento, que se pode encontrar na internet, e já o vou mencionar. Ele escreve esse documento como resposta a este problema. Os pastores desta igreja recém-formada sabem muito pouco da fé cristã e são negligentes no esforço de instruir os seus paroquianos nos rudimentos da fé cristã.
Lutero não era fofinho nem bonzinho, pelo contrário ele era irascível, de boca suja e não tinha muita paciência para os seus adversários. Por isso, fiquem sentados e ouçam o que Lutero escreve desta situação que ele vivencia:
“a lamentável e mísera necessidade experimentada recentemente, quando também eu fui visitador, é que me obrigou e impulsionou a preparar este catecismo ou doutrina cristã nesta forma breve, simples e singela. Meu Deus, quanta miséria não vi! O homem comum simplesmente não sabe nada da doutrina cristã, especialmente nas aldeias. E, infelizmente, muitos pastores são de todo incompetentes e incapazes para a obra do ensino. Não obstante, todos pretendem o nome de cristãos, estão baptizados e fazem uso dos santos sacramentos. Não sabem nem o Pai-Nosso, nem o Credo, nem os Dez Mandamentos. Vão vivendo como os brutos e os irracionais suínos.”
Subtil? Um elefante a entrar numa loja cristais, como se diz por aí. Nenhuma subtileza, este é Lutero, bem-vindos ao mundo do reformador luterano.
Diante desta situação tenebrosa e vergonhosa para uma igreja recém reformada. Lutero lança-se a escrever o seu Catecismo Menor, um documento pequeno, escrito em resposta ao facto de os pastores estarem a negligenciar a sua chamada para educar e instruir, de viva voz, a comunidade cristã nos rudimentos da fé.
A comunidade cristã estava perdida. Mudou de religião, mas aparentemente não tinha entendido, não tinha interiorizado os aspetos mais centrais da fé cristã. Então ele escreve o Catecismo Menor. O Catecismo Menor pode ser encontrado na internet facilmente, no meu telemóvel eu uso uma APP que foi preparada para termos o Catecismo no telemóvel. Pode ser encontrada num endereço chamado: http://catechism.cph.org/pt/ todo em português, lendo, vamos descobrir que é bem simples.
Este catecismo foi importantíssimo para a fé cristã. Foi o primeiro Catecismo protestante, mas o tom deste Catecismo também é pastoral, também é devocional.
Eu conheci um homem, um pastor presbiteriano que se converteu de facto ao fazer um mestrado em teologia, quando num seminário precisaram de estudar este Catecismo, ele já era pastor, já era baptizado, estava no seu segundo curso teológico, ele de facto se converte à fé ao estudar o breve Catecismo de Martinho Lutero.
Como podem ver na internet, o Catecismo é pequeno, ele tem nove sessões e é estruturado em perguntas e respostas, o que é muito importante, e eu já vou falar disso, do porquê os catecismos terem tradicionalmente essa estrutura de perguntas e respostas.
As sessões tratam primeiro dos Dez Mandamentos, como aquela suma do viver bem, ensinando-nos os procedimentos que honram e glorificam a Deus. O Catecismo tem uma sessão sobre o Credo dos Apóstolos, ensinando-nos o que é absolutamente essencial para que um crente creia, aquelas doutrinas que são inegociáveis, que uma pessoa não pode ser considerada cristã se tiver dificuldades ou negar uma delas. O Catecismo tem uma sessão sobre a oração do Senhor, resumindo o Pai Nosso como oração modelo para todos nós, o Catecismo tem uma sessão sobre o baptismo, sobre confissão e absolvição, Ceia do Senhor e também, acho isso tocante, uma lista com versículos bíblicos importantes que todos os cristãos precisam saber e também orações para o dia a dia. Vou pedir para vermos uma oração para o dia-a-dia. Quero lembrar que Lutero está a escrever este documento para pessoas que ele descobre que não conhecem quase nada ou nada da fé, o que ele vai descobrir é que os pais não sabem orar, porque até aqui eles só rezavam, só repetiam o Ave Maria e o Pai Nosso, ou repetiam aquilo que o pároco os mandava repetirem. Ele escreve orações para os pais fazerem com os filhos. Por exemplo, a oração da noite, que bonito! Ele recomenda que os pais escrevam isto em tábuas grandes para poder ler e os filhos, os servos da casa e a sua esposa acompanharem. Exemplo:
À noite, antes de te recolheres, faze o sinal da santa cruz, dizendo:
Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo! Amém.
Então, de pé ou de joelhos, dize o Credo e o Pai-Nosso. Se quiseres, podes dizer mais esta pequena oração:
Meu Pai celestial, graças te dou por Jesus Cristo, Teu amado Filho, por me haveres protegido bondosamente neste dia, e peço-Te que me perdoes todos os pecados e o mal que fiz e me protejas por Tua graça nesta noite. Nas Tuas mãos me entrego, de corpo e alma, bem como todas as coisas. Esteja comigo Teu santo anjo, para que o inimigo maligno não tenha poder algum sobre mim. Amém.
Feito isto, dorme tranquilo!
Simples! Ele está a ensinar pessoas a orarem porque elas não têm um modelo. Elas aprenderam a fazer orações decoradas, o que se convencionou chamar reza. Agora este homem, que não era um grande educador, Lutero era um biblicista, era um pregador, um doutor em Teologia, mas ele tem esse interesse em educar a igreja nos rudimentos da fé, ele agora se lança a ensinar a igreja a orar, a partir dos pais. Os pais são os primeiros professores, ou se quiserem usar uma metáfora militar, são a primeira linha de defesa da igreja. Os pais educados pelos obreiros, sendo os pastores das suas casas.
Então, até mesmo nesse nível básico do nosso diálogo com Deus, da nossa fé básica com Deus que é evidenciada na oração, Lutero se lança a ensinar a igreja a orar.
Quais são os objetivos básicos do Catecismo? Como eu já tenho evidenciado, a maior finalidade do Catecismo era ser uma fonte de ajuda no culto familiar. Este era o principal alvo de Lutero.
O Catecismo Maior, que era mais denso, mais técnico e detalhado era o manual do obreiro do pastor. Este pastor teria encontros periódicos com os pais, para os ajudar e capacitar. Mas o alvo do catecismo menor que é mais singelo e simples e bem objetivo, era ser uma forte ajuda no culto doméstico e familiar. Em Quase todas as sessões, Lutero é cuidadoso em apelar aos pais, principalmente ao pai como chefe de família para ele educar com simplicidade os seus filhos, a sua casa nos rudimentos da fé cristã. Na mente de Lutero, o que era o pastor para a igreja seria o pai para a família. O pastor cuida da igreja estendida e o pai teria na sua casa a sua pequena igreja onde ele é chamado a educar os seus na fé. O esforço aqui é até era maior, vamos nos lembrar que estamos num outro mundo bem diferente do nosso, onde o pai é responsável não só pelo seu núcleo familiar básico, esposa e filhos, como também, a mãe, pai, sogro, sogra, outros parentes, e os seus próprios servos que habitavam a sua casa. Acaba por falar para cerca de dez, quinze ou vinte pessoas ao catequisá-los, uma pequena igreja. Lutero lança as bases da noção de que a família é a primeira igreja, o que nós temos são várias igrejas dentro da igreja mais ampla e cada pai recebia benefícios e instrução dos seus obreiros e eles podiam desenvolver e dividir esses benefícios com outras pessoas.
A catequese é bonita e necessária, nós precisamos de a redescobrir, mas o que é que a catequese tem a ver com a educação? Lembram-se de que eu falei há pouco que os Catecismos são preparados com perguntas e respostas? Nós vamos entender muito mal o Catecismo se entendermos o Catecismo e o processo catequético simplesmente tendo em vista decorar as respostas do Catecismo. Elas podem ser decoradas, mas o Catecismo foi preparado com perguntas e respostas por uma outra razão mais profunda e mais importante para nós hoje.
Qual era a filosofia pedagógica por detrás do Catecismo? O pressuposto conceitual pedagógico do Catecismo é aquele esforço de voltar à educação clássica, sobretudo o Trivium. Os Reformadores de então, sobretudo Lutero, mas depois os reformados, ao adotarem o Catecismo eles não só queriam, num primeiro momento, instruir a comunidade nos rudimentos da fé cristã. Mas os pastores reformadores tanto luteranos como reformados queriam oferecer uma filosofia pedagógica, uma filosofia educacional para os membros da igreja. Eu vou falar disto na segunda palestra.
Esses reformadores eram “humanistas” na época a palavra “humanista” não tinha a aceção negativa que tem hoje, antropocêntrica, contrária a uma fé centrada em Deus. Mas os humanistas, na época da Reforma, tinham a noção de alguém que quer voltar aos fundamentos da civilização e para aqueles homens, o fundamento da civilização era uma visão do mundo greco-romana. Eu vou falar na segunda palestra que entre os reformadores houve uma explosão de interesse pelo estudo dos clássicos e eu vou tentar explicar o porquê.
Nessa volta ao passado, também na pedagogia, há um interesse em resgatar o Trivium, a enfase em gramática, lógica e retórica. Então ao estruturar o seu Catecismo por meio de perguntas e respostas, o que o nosso bom reformador quer, é não só levar a comunidade a ser instruída nos rudimentos da fé, mas também levar a comunidade a adotar o que os reformadores entendiam que era o apsis, a ferramenta pedagógica mais avançada que existia, a forma de educação por excelência que era a forma de educação grega. A ênfase nestas três colunas, ou três caminhos que são a gramática, a lógica e a retórica. Daqui a pouco vou aprofundar este ponto.
Mas agora o que precisamos de entender é o seguinte, não basta apenas ler o Catecismo, é necessário refletir sobre o que está no Catecismo e uma forma de se saber se um catecúmeno está, de facto, a refletir no Catecismo é se ele consegue colocar nas sua palavras, aquilo que está a ler no Catecismo. Por exemplo, o breve Catecismo de Westminster, que é outro documento fabuloso e muito importante na história da catequese, começa com a primeira famosa pergunta: qual o fim principal do homem? A resposta é: “o fim principal do homem é se alegrar em Deus e desfrutá-lo para sempre, é glorificar a Deus e desfrutá-lo para sempre”. Na catequese podemos perguntar aos catecúmenos qual a resposta para a primeira pergunta. Eles podem repetir esta resposta, mas para o catequista e a partir do Trivium, destes três caminhos, é fazer a famosa pergunta: “eu sei o que está no Catecismo eu quero saber o que tu entendeste da pergunta” e ele pode tentar dar a resposta: “eu entendi que só existe Deus, Ele salva-me e quanto mais eu me dedico a Ele, mais Ele recebe glória e quanto mais eu glorifico mais eu tenho alegria, uma alegria que o mundo não pode roubar.” Aí o catequista diz: “Muito bem, tu entendeste a primeira pergunta”.
Nota, o esforço catequético implica que o aluno precisa aprender a ler, a dominar os rudimentos da gramática, é mais do que meramente juntar palavras, mas tirar sentido do sujeito, verbo e predicado. Ele precisa ter instrumentos para pensar no que está a ler e precisa aprender a reproduzir nas suas palavras o que está a ler e se ele consegue reproduzir com fidelidade, nas suas palavras, o que ele leu é sinal que ele entendeu de facto.
Por outras palavras, a mente precisa de ser alimentada de factos e imagens, a mente precisa de receber ferramentas lógicas para os organizar e precisa ser equipada para expressar as conclusões.
De certa forma, Lutero e outros reformadores estão a unir dois pontos do melhor da cultura grega e do melhor da cultura romana. Enquanto a cultura grega dava bastante valor ao idioma e às ferramentas lógicas, a lógica de Aristóteles, para interpretar o conteúdo. Os Romanos davam muita ênfase à retórica e agora todo este cabedal é cristianizado e trazido ao esforço de educar os da fé desde cedo. Não só sobre os princípios cristãos, não só nas instruções cristãs, mas a começar a pensar o mundo a partir destes três caminhos, o Trivium, a gramática, a lógica e a retórica.
Então, nós temos duas camadas de instrução, a primeira camada óbvia, o Credo, os Dez Mandamentos, o Pai Nosso, o Baptismo, a Ceia, a confissão dos pecados, oração, etc. Mas a camada mais profunda, é que aquelas crianças que ano a ano são educadas no Catecismo, que ano a ano voltam ao Catecismo. Elas vão internalizando estas ferramentas de aprendizagem de forma a que uma vida de Catecismo leva estas pessoas a ficarem firmes na fé e, por outro lado, a terem uma visão educacional calcada no melhor da cultura helénica, da cultura da Antiguidade Clássica.
Por isso, não nos devemos espantar quando andamos sobretudo pela Alemanha, duas coisas saltam aos olhos. Eles emulam a cultura cristã, Igrejas Evangélicas, Luteranas, Evangélicas Livres, Católicas para onde quer que se olhe, mas também sinais da cultura grega para onde se quer que olhe. Isto está internalizado na cultura alemã, a valorização da cultura cristã clássica e da cultura grega, sobretudo da cultura grega clássica.
Este é um ponto importante para nós, por detrás do Catecismo temos um esforço pedagógico, temos uma aderência a um modelo pedagógico de ensino. Um comentário lateral. Algumas pessoas ficam um pouco desconfortáveis quando vão estudar liturgia luterana e descobrem que Lutero escreveu um livro de “Missa Alemã”, mas ele não era reformador? Sim, ele era reformador, mas ele ainda assim manteve um dos cultos, em Winterberg, em latim, para quê? Para educar a juventude, desde cedo, na linguagem comum do universo universitário. Que coisa esquisita, mas é isso mesmo. O que ele queria era deliberadamente oferecer um espaço de culto onde as pessoas pudessem desde cedo se acostumarem com a linguagem que era a linguagem comum na Universidade, preparando a juventude para entrar na Universidade.
Um ponto importante, é que quando começamos a estudar o Catecismo, principalmente os pequeninos, vamos esbarrar com doutrinas difíceis como a Trindade. Como é que nós explicamos aos pequeninos, desde cedo, que Deus é um e três, que Deus é uma essência e três pessoas? Como explicar aos pequeninos que Jesus é ao mesmo tempo e sempre, Deus e Homem e se mistura a confusão de visão. Então, Lutero reconhecia, e era sensível às dificuldades destas doutrinas, só que ele também era cuidadoso em ajudar os educadores e pais a entenderem que estas doutrinas não dependem da lógica humana ou filosofia, elas não dependem de provas racionais. Mas, por outro lado, ele também era cuidadoso em afirmar que estas doutrinas têm que ser aceites pela fé porque são matéria da revelação, são dadas pelo Deus vivo. Então, desde cedo, o pequenino é estimulado a crer na revelação, a crer na palavra sagrada como revelação autoritativa de Deus. Então, a ideia é que desde pequeno, os pais têm que estar aptos a ensinar essas doutrinas difíceis, mas também a serem honestos com os seus filhos que estas doutrinas são ensinadas por fidelidade à revelação. Não porque essas doutrinas são lógicas, são racionais e fáceis de ser entendidas, muito pelo contrário, elas exigem que reconheçamos que a nossa linguagem é limitada, que a nossa mente é limitada e que numa hora vamos ter que adorar. Mas ensinamo-las aos pequenos já ensinando a eles a necessidade de crer, e se eles não crerem, também ensinamos que a descrença, a incredulidade é um pecado abominado por Deus. Então, nós convidamos os pequeninos a crer.
Literalmente, estamos a falar de um outro universo conceitual. Estou a destacar um dos Catecismos mais simples que foi escrito. O breve Catecismo de Westminster se tornou padrão na Inglaterra e na Escócia a partir do séc. XVII. O curioso, é que mesmo um homem chamado Thomas Carlyle, que foi um grande poeta escocês e que rompeu com a fé cristã, vai dizer, já idoso, que mesmo tendo rompido com a fé cristã ele ainda se lembrava de cada pergunta e resposta, de 109 perguntas e respostas do Breve Catecismo de Westminster. Então o Catecismo era contra ele, mas ele não esquecia, mesmo décadas depois de ter sido educado num Catecismo muito mais denso, muito mais elaborado do que o Breve Catecismo de Lutero.
Uma lembrança, caminhando para o final. Lutero vai destacar um cuidado que se precisa ter no ensino da fé cristã aos pequenos. Isto é, a necessidade de nós nos apegarmos a uma tradução, ou bíblica ou do Catecismo, ou do credo, ou do decálogo e permanecer nela para evitar confusão. Vejam o que ele diz:
“Tem o pregador acima de tudo o cuidado de evitar textos e formas diversos ou divergentes dos Dez mandamentos, do Pai-Nosso, do Credo, dos Sacramentos, etc. (…) Atente a uma forma e maneira permanente e fixa, e ensina-lhes primeiro que tudo, estas partes, segundo o texto, palavra por palavra, de forma que também o possam repetir assim e decorar.
Mas aqueles que não o querem aprender, diga-lhes como negam a Cristo e que não são cristãos.”
O que eu acabei de mencionar agora, mas Lutero acrescenta mais um dado. Se, de um lado, o seu pano de fundo pedagógico, que está por detrás do esforço da catequese é o Trivium, por outro lado, ele também não descuida a memória.
Lutero foi um monge da ordem Agostiniana e esta ordem pauta-se pela ênfase na memória. Deus, o Pai, é encontrado na memória, Deus, o Filho, é encontrado no intelecto e Deus, o Espírito, é encontrado na vontade. Então a memória tem o seu lugar e o seu espaço. Assim ao mesmo tempo que a criança progride na catequese através da gramática, da lógica e da retórica, por outro lado, o catequista deve facilitar ao máximo que a criança possa reter na memória todo o conteúdo que ela está a aprender. Por isso, pode parecer estranho para nós a ideia de todos os anos voltar à catequese, mas não era estranho para este mundo conceitual, a ideia é que sempre que se volta à catequese a memória é ativada e alimentada.
Sempre que se volta à catequese as três ferramentas clássicas vão operando em conjunto, gramática, lógica e retórica. Essas ferramentas tocam a inteligência. Por isso, sempre que se volta ao Catecismo ano após ano, a memória é ativada, a inteligência começa a fazer associações de ideias e essas associações de ideias é que nos movem para a glória de Deus, nos movem a servir e a viver para a glória de Deus. E aí o cuidado, como Lutero destaca, a necessidade de nós usarmos sempre a mesma tradução, uma linguagem igual, para que a criança não fique confusa e possa reter na memória esse conteúdo e mais adiante, ela possa comparar esse conteúdo com outros similares e fazer os exercidos necessários de confrontar os saberes.
Vamos ver um vídeo curtinho de um filme clássico sobre Lutero que ilustra os pontos que estamos a tratar aqui.
O vídeo ilustra bem todos os pontos que estamos a tratar agora. No vídeo fica bem claro que não basta apenas decorar o Catecismo, é necessário que a pessoa esteja apta a dizer o que ela aprendeu do Catecismo. Mais uma vez, e eu quero enfatizar bem este ponto, o pressuposto que norteia o esforço de educação nos rudimentos da fé cristã de Lutero é a necessidade de que o Trivium seja interiorizado pelos catecúmenos. Por outras palavras, a educação começa na igreja, a educação começa em casa. Lutero não é o grande educador da Reforma, Melanchoton é que foi e vamos tratar disso na segunda palestra, mas deliberadamente ele escolheu o que ele entendia que era o avant-garde, o melhor da instrução pedagógica e incorporou isso no esforço de levar os cristãos a absorverem os rudimentos da fé.
É espantoso hoje, quando tomamos ciência de que a catequese virou um esforço ultrapassado a catequização foi tão importante na igreja, tanto protestante como católica, que até mesmo obras de arte refletem esse esforço catequético. Por exemplo, temos aqui um quadro:
Mais uma vez, o benefício não é apenas oferecer o conteúdo doutrinal básico para a igreja, aquilo que C. S. Lewis chamava de cristianismo puro e simples. Mas aqueles que se lançam ao esforço da catequese vão receber o benefício de também, entrelinhas, receber uma visão pedagógica mais ampla que o liberta das amarras da pedagogia contemporânea e que o ajuda de facto a entrar no grande debate que nós temos hoje no nosso meio.
Para terminar, a última pergunta. Porque é que a catequese caiu em desuso? O que nós temos de destacar é que até ao séc. XVIII, pelo menos, a catequese era o meio de educação cristã por excelência na Igreja Protestante e Evangélica. Quando se falava de educação cristã, o que se pensava simultânea ou automaticamente era na catequese. “Está a educar os seus filhos?” “Sim estou a catequisá-los.” “O pastor está a educar na fé a sua comunidade?” “Sim, ele está a catequisá-los.” - Só que a partir do séc. XIX e sobretudo no séc. XX a catequese foi renegada ao passado para nosso prejuízo.
Criou-se a Escola Bíblica Dominical, criaram-se grupos pequenos, núcleos de estudo bíblico, etc. Mas nenhum destes outros esforços educacionais tiveram a força que a catequese tinha até há dois ou três séculos atrás.
Porque mudou? Alguns pontos importantes e uma ideia para refletimos:
Primeiro, a partir do séc. XIX a doutrina da inerrância e da infabilidade da inspiração da Bíblia foi colocada em xeque, sobretudo na Europa, mas também no norte dos Estados Unidos. Se a Bíblia não é de facto inspirada, não é a Palavra de Deus, então temos que começar a ter dificuldades com a doutrina da criação, como o irmão Tim falou, tem que começar a ser substituída pelo evolucionismo. Se Cristo não é Deus homem, então, não podemos falar mais de morte expiatória, se Cristo não morreu para perdoar os nossos pecados e para nos justificar, se Cristo não morreu como um substituto na cruz no nosso lugar, então temos que começar a falar de Cristo como mártir, como um homem bom, um grande professor que foi morto pelos poderes do Império, um tipo de revolucionário. Falar de ressurreição também não dá, porque num mundo racional não dá para provar que Cristo ressuscitou dentre os mortos, logo, não podemos dizer que, de facto, ele ressuscitou com certeza.
Então, uma das razões do Catecismo ser colocado de lado é que a própria Escritura Cristã que é o fundamento do esforço catequético foi colocada sobre ataque. Então com a diminuição da confiança nas doutrinas bíblicas centrais, também a catequese foi colocada de lado.
Entrou-se também no subjetivismo, agora não se pensa mais em questões objetivas, Deus, nós somos pecadores, Deus é santo, nós estamos debaixo da ira Dele. É necessário que Cristo se interponha entre nós e Deus para entrarmos numa relação correta com Ele. Agora o que resta é: vamos andar nos jardins de Jesus, vamos tocar nas vestes de Jesus, acabou-se “Rude cruz se erigiu”, há uma mudança. Antes, ênfase naquilo que era objetivo, agora, ênfase naquilo que é subjetivo.
Com isso, o próprio esforço catequético muda, qual é o grande livro de devoção escrito na América no séc. XIX? “Em seus passos o que faria Jesus”, uma dica para os seminaristas que estão a fazer a licenciatura em teologia, façam uma monografia a comparar “O Peregrino” de John Bunyan com “Em seus passos o que faria Jesus”, estes dois textos ressaltam a diferença ou a mudança que ocorreu entre o Cristianismo do sec. XVII e o do séc. XIX e XX. O autor de “Em Seus passos o que faria Jesus” não era evangélico, ele era um congregacional liberal, ele não cria na inerrância bíblica, ele não cria na criação nem na morte vicária expiatória de Cristo. Em Bunyan quem leva o peregrino ao monte para ver Cristo e ver o seu fardo jugado para trás é o obreiro, um evangelista. Já em “Em seus passos o que faria Jesus” não é o obreiro o herói principal é uma menina inofensiva ela é que traz a luz divina, como é dito, para dentro da igreja. Então há toda uma mudança conceptual entre a fé dos séculos XVI, XVII e XVIII para o final do séc. XX.
O que aconteceu então? Como é que nós educamos os nossos filhos na fé hoje? Através de histórias bíblicas desconexas, ensinadas muitas vezes de uma forma moralista sem conexão com Jesus e o evangelho que era o centro do esforço catequético. Temos que nos lembrar que este é um esforço consciente, feito por educadores cristãos de boa vontade, mas enganados, tentando evitar questões de contenda, questões divisionistas dentro da igreja, que eles tolamente achavam que eram secundárias e não são.
Então ao mesmo tempo que a nossa geração ou as últimas gerações rejeitaram a catequese, eles não colocaram nada melhor no lugar, muito pelo contrário. Nós somos uma grande igreja espalhada por todo o mundo, a boa noticia é que o Cristianismo cresce muito hoje no mundo, especialmente no Sul em algumas partes cresce mais do que o Islão, o Islão cresce muitas vezes por natividade, enquanto os cristãos estão a crescer por milhares de conversões a acontecer no sub global, mas por outro lado muita da nossa fé é tão profunda como um pires de café.
Nós continuamos, ainda que tenhamos avançado tanto, continuamos ainda dependentes de uma visão educacional que fracassou. E nós temos uma grande herança. Hoje, alguns pastores têm acordado para isso e retomado a catequese, talvez o pastor mais famoso a retomar e a redescobrir a catequese seja Tim Keller. Ele reformou-se recentemente, mas era pastor na famosa Igreja Presbiteriana do Redentor em Nova Iorque, vamos honrar os irmãos presbiterianos, isto é um mérito deles. Tim Keller lançou no ano passado o seu comentário devocional ao Catecismo, que foi lançado em língua portuguesa pela editora Fiel. No Catecismo Nova Cidade Devocional, vocês têm não só perguntas e respostas do Catecismo, mas também têm modelos de orações que podem fazer na vossa residência com os seus parentes e têm dois devocionais, um antigo, de um escritor clássico e um devocional de um escritor contemporâneo. Tim Keller deu-nos um grande presente, que tem sido usado em todo o mundo, que é este Catecismo Nova Cidade. Não é novo, vão descobrir no prefácio que o que ele faz é uma adaptação de catecismos antigos, como o Catecismo de Genebra de Calvino, o Breve Catecismo de Westminster e sobretudo o Catecismo de Heidelberg que mencionei há pouco.
Na atualidade há um esforço para se redescobrir a catequese. Na nossa igreja, na igreja onde eu tenho colaborado em São José dos Campos, começamos todos os grupos de estudo com uma pergunta e uma resposta do Catecismo e os líderes do grupo estimulam a restante comunidade a lerem as devoções em casa.
Isto é o mínimo esforço que podemos fazer para progredir na fé. O que é durante uma semana de seis dias, ler a pergunta, ler a resposta, ler os versículos correspondentes a essa pergunta e resposta e lerem seis ou sete parágrafos de devoção e um parágrafo de oração, o que é isto numa semana? Nada, é o mínimo de alimento que podemos receber e as igrejas têm lutado para oferecer este alimento.
Keller diz o seguinte, e resume muito o que nós estamos a tratar aqui
“O Catecismo é muito mais do que memorizar um documento, é um compromisso comunitário de vida com aprendizagem e com estudo. A memorização e a recitação ajudam a aprofundar, a prolongar e a reforçar a teologia prática da igreja essa compreensão forma o alicerce de uma mudança contínua de vida isentiva a integração com mais resultados ainda dos ainda oferecidos nos seminários e programas educacionais da atualidade”.
Alguns pontos, chegando ao fim. A pregação pública não é suficiente para reformar uma congregação. Nós temos sete dias da semana e vocês que são melhores a matemática do que eu (não sei quantas horas temos durante a semana), na pregação, às vezes, gasta-se uma hora, o que é uma hora de pregação frente a uma semana toda de lutas, tribulações, tentações, perseguições… ok a pregação é importante. A pregação é a voz de Deus para a comunidade, mas ela precisa de ser complementada por outras ferramentas educacionais, e ela é complementada, por excelência, pela catequese e pela catequese pessoal. João Calvino tem uma frase para mim emblemática “A igreja de Deus nunca será conservada sem a catequese”. Se querem uma ilustração para este ponto, a pregação é importante porque ela oferece, por exemplo, os blocos ou pregos para fecharem as lacunas do nosso dia a dia. A catequese, que é aquele encontro semanal para estudar as doutrinas básicas da fé cristã, coloca os blocos direitos no lugar e aparafusa os parafusos oferecidos no domingo pelo obreiro fiel. Essa catequese pode ser feita indo a casa das pessoas para as instruir e exortar, essa catequese pode ser feita pelo pastor, mas não raro, o pastor vai estar assoberbado, então ele pode capacitar irmãos e irmãs para ajudar neste esforço de catequização. No caso de Lutero, ele reunia-se com os pais para os pais catequisarem os filhos. Os pastores luteranos na idade da reforma também se encontravam com os pais, capacitavam os pais, para os pais serem os pastores das pequenas igrejas, no caso, as suas casas.
Temos outras formas de catequização. No caso da nossa igreja a catequização é feita nos grupos pequenos. A igreja do Tim Keller criou uma APP que pode ser baixada e a pessoa andar com todos os recursos, semana após semana no seu telemóvel, inclusive na app há recursos e há hinos que a pessoa pode escutar relacionados com a pergunta e resposta do Catecismo.
O que se tem é o alvo, como nós vamos chegar ao alvo é pela nossa capacidade, por isso, o que temos de fazer? Primeiro, temos que analisar a situação, temos que conhecer o nosso grupo, temos que conhecer a comunidade que Deus tem colocado sob nossa responsabilidade. A época de Lutero era rural, quem já foi a Wittenberg, as casas estão lado a lado, é muito fácil chamar as crianças da vizinhança, e lembrem-se, a ideia é que a cidade é cristã, o território é cristão, era outra visão de mundo, por isso era a coisa mais simples do mundo, Lutero marcar um horário e todas as crianças irem a casa dele. Hoje vivemos em grandes centros urbanos, quem mora na capital do estado onde eu moro, S. Paulo, gasta 3 a 4 horas por dia em condução, entre trabalho, estudo. Então como catequisar? Analise a situação, conheça o seu contexto, conheça a rotina do seu povo.
Eu participei numa série de encontros de pregação na cidade de Campos e é interessante que as pregações começavam às 5 da manhã com a igreja lotada. 500 pessoas na igreja, depois havia pregação das 6:30 da manhã até às 7:30, a igreja lotada, a pregação começava de manhã terminava à noite, quando chegava à noite às 19 horas mais gente chegava à igreja. Porque é que este sistema deu certo? Porque o pastor analisou a situação e conhecia a sua igreja, ele conhecia as rotinas da sua comunidade. Ele sabia que as pessoas podiam chegar ao trabalho às 8:30 chegava para chegarem ao trabalho, podia terminar o segundo culto às 7:30 e as pessoas tinham tempo para sair da igreja e irem para o seu trabalho. Era bonito, o pequeno-almoço de quem ia trabalhar era servido entre as 5:30 e as 6:00 e os que não iam trabalhar ou estavam de férias iam tomar o pequeno-almoço da manhã às 7:30, depois dos que iam trabalhar já terem tomado o seu pequeno almoço no intervalo e podiam seguir para as suas casas.
Analise a situação, se você entende que a catequese é um esforço necessário para a sua comunidade primeiro conheça a sua comunidade. Segundo apresente a visão catequética para a sua comunidade, gaste tempo a falar para a igreja do que é a catequese, os benefícios da catequese, como será feita a catequese com a igreja. Ganhe o seu conselho, ganhe os líderes, ganhe para a essa visão catequética aquele que lida com a educação cristã na igreja. Busque o consenso entre os líderes da comunidade, comece devagar, mas seja constante. Talvez entenda que deva começar só com os jovens e os adolescentes, pode marcar um dia durante a semana, sexta-feira à noite. Em que eles possam ter jogos de tabuleiro ou jogos de salão e, antes, talvez gaste uma meia hora a estudar uma pergunta do Catecismo e a sua resposta, refletindo alguns versículos, a fazer um devocional e orando com eles e cantando um hino, depois vão jogar à bola e brincar um pouco.
Ok, comece devagar, mas comece, e comece de forma constante, não veja a catequese como mais um método e esse é o problema. Obreiros gostam de métodos e quando um método não dá certo descarta-se o método. Não, a catequese é uma parte integrante do ministério cristão, é algo a que o pastor deve aderir, sobretudo o pastor. Não só para levar a igreja a ser educada nos rudimentos da fé, o cristianismo puro e simples, mas também a já dar uma base conceitual e educacional para a comunidade cristã. Então comece devagar, mas de uma forma constante.
Foque-se em jovens e famílias, sobretudo estimule os pais a reunirem-se em casa como uma pequena igreja, uma vez por semana, um único culto doméstico, o que é isto? Durante os sete dias de 24 horas, 30 ou 40 minutos que os pais passam juntos, a meditar e a estudar não é nada! Mas o que pode acontecer é que aquele momento pode suscitar conversas, debates e até o interesse dos filhos em aprofundar o que está a ser tratado, então foque-se nos jovens, foque-se nas famílias e nos adolescentes, traga-os para estudar.
Cuide dos hinos e dos cânticos da igreja. Pode ser constrangedor a igreja estar a estudar esses rudimentos da fé e cantar um hino que contradiga aqueles rudimentos da fé. Trabalhe junto com as pessoas que tratam dos hinos e dos cânticos, para que os hinos e os cânticos sejam bem escolhidos e reflitam a boa doutrina bíblica, reflitam a boa instrução bíblica.
Faça ajustes conforme as necessidades, não desista, mas adapte, faça ajustes conforme as necessidades.
Em todo o tempo ore. Ore pela escolha do documento que vai estudar com a igreja, nós temos documentos antigos e temos documentos contemporâneos. Ore pelo documento que entende que vai ser útil para aquela comunidade, ore pelas pessoas que vai capacitar para capacitar outras, ore pelo grupo com quem vai estudar, ore pelo encontro. Clame a Deus, para que Deus o ilumine quando tiver que enfrentar doutrinas difíceis. Ore em todo o tempo para que estas pessoas não apenas recebam e aprofundem, ano após ano, os rudimentos da fé, mas que à medida que o tempo vai passando o intelecto delas seja expandido. Que elas trilhem de facto aqueles três bons caminhos, o caminho da gramática, da lógica e da retórica.
Termino com uma exortação de Lutero: “Por isso rogo a todos vós, pelo amor de Deus, meus queridos senhores e irmãos, que sois pastores ou pregadores, que vos devoteis de coração ao vosso ofício e vos apiedeis do povo confiado a vós e nos ajudeis a inculcar o Catecismo nas pessoas.”
Que Deus os ajude nesse esforço de instruir a igreja naquilo que é mais básico da fé cristã, mas que no processo, mais gente, não só aqueles que estão a lutar para retomar ou redescobrir a educação cristã aqui em Portugal. Que mais gente possa ser despertada para a necessidade de que a igreja também é um local de educação, um lugar de educação mais amplo possível.